Indo direto o ponto,
hoje faremos uma reflexão sobre uma matéria do Jornal do Brasil, desta
quarta-feira (19), “Moradia própria ainda é uma realidade distante para a
população negra”. Queríamos muito dizer que essa manchete é sensacionalista, ou
mesmo um despropósito, uma mentira, mas infelizmente é a realidade de um país
que tem entranhado no seio da sua sociedade, um racismo estrutural, que corrói
essa mesma sociedade como um câncer que tenta destruir um corpo moribundo. Quantos rostos negros você vê todos os dias,
pedindo nos semáforos das cidades, sejam elas grandes ou pequenas? Quantas
negras cuidam das nossas casas e cozinhas, sem ter a sua própria para se
agasalhar a ela e os seus filhos? Infelizmente essa é uma realidade que insiste
em permanecer, e, fazer parte do nosso dia a dia. Nós, enquanto brasileiros, um povo
essencialmente de cultura e raça negra e miscigenada, precisamos nos
envergonhar dessa pecha maldita que mancha essa nação tão rica culturalmente. O
governo do presidente Lula, tenta e até consegue de certa forma, o protagonismo em dá espaços e ministérios para negros e negras, que antes não tinham, mas
ainda é pouco, visto o grande déficit histórico que o sistema branco tem com a maioria
da população negra de brasileiros. Essa
matéria foca no déficit habitacional em todo o território brasileiro, mas eu
estendo-a a todo o nosso sistema, a exclusão do negro é algo latente e
deplorável no Brasil. Por 388 anos o Brasil teve a sua economia ligada ao
trabalho escravo. Nos espanta admitirmos, que ainda, disfarçadamente, vivemos
sobre esse regime.
“O sonho da moradia
própria é uma realidade distante para a população negra do Brasil. Apesar de
programas sociais, como o “Minha Casa, Minha Vida” buscarem amenizar os efeitos
do déficit habitacional em todo o território brasileiro, três em cada 10
brasileiros (sendo dois negros) ainda moram de aluguel, em ocupações ou de
favor com outras pessoas, segundo dados do Datafolha.
Atualmente, o Brasil
possui um déficit habitacional de 6 milhões de domicílios, segundo a última
pesquisa da Fundação João Pinheiro (FJP). Ao multiplicar esse dado pelo número
médio de habitantes por domicílio, o resultado quantitativo é de quase 30 milhões
de pessoas sem moradia.
No entanto, os
números não batem: ao mesmo tempo em que há tantas pessoas sem ter um lugar
para morar, existem 6,8 milhões de imóveis desocupados e sem uso nos centros
das grandes cidades do país, segundo a FJP.
“Infelizmente, nos
últimos quatro anos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) interrompeu o Minha
Casa, Minha Vida e abriu o Casa Verde e Amarela, que não era pensado para a
faixa um, que são as pessoas em vulnerabilidade e que são maioria afetada pelo
déficit habitacional”, é o que enfatiza o Arquiteto e Urbanista Dênis Pacheco,
Gerente de Programas do Habitat para a Humanidade Brasil.
Dênis Pacheco
salienta que é importante compreender os dois tipos de déficits habitacionais:
o quantitativo, ou seja, de pessoas que não têm casa para morar, e o
qualitativo, que tange às pessoas que têm uma moradia insalubre.
Dados mais recentes
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 66,4% dos
lares brasileiros são próprios. Outros 6,1%, são próprios, mas ainda estão
sendo pagos. Porém, a última pesquisa da FJP mostrou que quase 25 milhões de
domicílios brasileiros são considerados inadequados no Brasil.
Isso se dá devido a
três fatores principais: a carência de infraestrutura, que se refere à moradia
localizada em territórios sem acesso a serviços básicos, como coleta de lixo,
acesso à água e saneamento; carência edilícia, que considera o que existe da
porta de casa para dentro, revelando inúmeras casas que não possuem banheiro,
ou só contam com um cômodo para todos os moradores, por exemplo; e
irregularidade fundiária, que geralmente acontece quando uma família é dona da
casa – ou seja, da construção propriamente dita – mas não é detentora do
terreno onde vive, o que a deixa mais propensa a sofrer ameaças de despejo e
remoção irregulares.
Outro dado alarmante
é que o Brasil tem 3,9 milhões de pessoas (62% negras) que vivem em 13.297
áreas de risco. Dessas, quatro mil localidades são classificadas como de “risco
muito alto”, de deslizamentos e inundações, por exemplo. Já o número de áreas
classificadas como de “risco alto” é de 9.291. Os dados podem ser visualizados
no painel do Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e
Energia.
“São moradias
precárias, mas que causam doenças ao próprio morador. A pessoa tem um teto, mas
é um teto extremamente precário, que potencializa ainda mais as
vulnerabilidades preexistentes dessa família”, comenta o Gerente de Projetos do
Habitat para a Humanidade.
Quanto custa ter uma
casa para chamar de sua?
De acordo com o IBGE,
o custo nacional da construção, por metro quadrado, foi de R$ 1.652,27 em julho
de 2022, sendo R$ 987,88 relativos aos materiais e R$ 664,39 à mão de obra.
Esse valor é 14% maior do que em 2021 (R$ 1.448,78).
Para calcular o custo
médio, o instituto considera apenas a construção. Não entram na conta os gastos
com terreno, despesas com projetos em geral, licenças, seguros, instalações
provisórias e equipamentos em geral.
Na prática, para
construir uma moradia de 80 metros quadrados, por exemplo, se gasta, em média,
R$ 132 mil. Mas esse valor já foi bem menor: em 2013 o preço médio era de R$
835,95.
Considerando os
estados, o Rio de Janeiro é o lugar onde é mais caro construir: são R$ 1.818,89
por metro quadrado, em média. Esse valor cai para R$ 1.446,76 em Sergipe –
estado onde é mais barato levantar um imóvel. Logo, na prática, se gasta, em
média, R$ 145 mil para construir uma casa de 80 metros quadrados no Rio de
Janeiro, e R$ 115 mil no Sergipe – uma diferença de 26%.
Quanto às regiões do
Brasil, o valor médio de construção de uma moradia por metro quadrado é o
seguinte: Nordeste, R$ 1.546,52; Norte, R$ 1.622,08; Centro-Oeste, R$ 1.658,26;
Sul, R$ 1.717,01; e Sudeste, R$ 1.793,94.
Já quem não tem
imóvel próprio desembolsa, em média, 31% da renda familiar com o pagamento do
aluguel, segundo o Censo Quinto Andar de Moradia, realizado em parceria com o
Datafolha. O valor médio de aluguel no Brasil é R$ 686, mas pode chegar a muito
mais dependendo da região.
A média mais cara é a
do Sudeste, no valor de R$ 824, ou 34% da renda familiar, com quase o dobro do
valor cobrado no Nordeste R$ 400 (27% da renda familiar).
Já o financiamento imobiliário
tem um valor médio mais alto, mas compromete menos o orçamento das famílias.
Com isso, os dados “indicam que a renda média de quem tem a casa própria é,
sim, superior à da renda daqueles que moram de aluguel", explica Thiago
Reis, gerente de dados do QuintoAndar.
Segundo a pesquisa, o
financiamento compromete 27% da renda familiar no país e uma parcela custa R$
715,00. O estudo aponta ainda que, entre as regiões metropolitanas, o
financiamento mais caro é o de São Paulo (R$ 1.206), à frente do Rio de Janeiro
(R$ 1.111) e de Belo Horizonte (R$ 827).
Tijolo por tijolo
Desde 2016, a
cabeleireira guarulhense Patrícia Santos tenta melhorar as condições da casa em
que mora com o pai. Na época, a moradia estava precária, com chão de terra
batido, partes feitas de madeira (barraco), com atraso nas contas de água e
luz. Ela conta que devido ao alcoolismo do pai, desde 1999 a casa estava nesse
estado.
Aos poucos e com
muita luta, a mulher negra começou a comprar os materiais com o dinheiro que
juntava e, às vezes, utilizava o cartão de crédito emprestado de suas cunhadas.
De segunda à sexta, Patrícia trabalhava fixa como costureira. Depois do
expediente e aos finais de semana, ela atendia a domicílio suas clientes de
cabelo, unhas e depilação, até 0h, 1h30 da manhã. Seu companheiro na época era
responsável por pagar as contas de dentro de casa e a obra ficava por
responsabilidade dela.
“A situação ficou
difícil quando meu pai teve um AVC, em 2018. Eu havia construído apenas dois
cômodos, e tive que parar. Eu ia fazer quatro cômodos – dois em cima, dois
embaixo – mas não tive mais condições financeiras e nem pedreiro para fazer o
serviço”, conta.
Em novembro de 2018,
o ex-marido de Patrícia cometeu suicídio dentro da casa, que ainda não estava
acabada. Nessa época, a depiladora teve que se desdobrar com os cuidados com o
pai, que havia ficado com sequelas do AVC, das contas de casa e da construção
de uma moradia digna para ela e seu pai.
“Desde o início eu
sempre quis fazer um salão para eu poder trabalhar, por meu pai ser alcoólatra.
Em 2020 eu voltei a mexer na obra, fiz o salão na frente e fiquei com dois
cômodos no fundo”, relata.
Com a dificuldade de
encontrar pedreiros, Patrícia meteu a mão na massa com seu atual companheiro,
que aprendeu a fazer as coisas pela internet. Hoje, depois de muita luta, ela
conseguiu organizar um espaço para que pudesse trabalhar, mas mesmo assim
afirma que existem melhorias a fazer, pois o custo de construção, segundo ela,
é muito alto.
Obras inacabadas
Empréstimos, cartões
de crédito, preparação financeira e utilização de terreno dos pais. Nem todo
esse combo foi suficiente para que a jornalista e analista de mídias sociais
Gabriela Oliveira conseguisse concluir o projeto de sua moradia própria sem
dívidas ou coisas ainda por fazer.
Desde setembro de
2021 ela e o noivo buscam concluir a obra em Guarulhos (SP), que consiste em um
quarto, uma cozinha dividida com a sala e um banheiro, cômodos edificados em cima
da casa de seus pais, que são feirantes. Com problemas com pedreiros, Gabriela
e o noivo passaram a trabalhar na construção.
“Quando a gente subiu
para a casa, só tínhamos o quarto pronto. Foi demorando alguns meses para se
fazer o restante. Não conseguimos até hoje fazer a escada, então subimos por um
tipo de barranco”, descreve.
Gabriela conta que o
terreno foi comprado pelos pais com o prêmio que eles ganharam no concurso Papa
Tudo. Foi aí que eles levantaram alguns cômodos e mesmo sem acabamento, optaram
por se mudar para uma casa própria.
“Contudo, apesar da
minha casa estar inacabada e a dos meus pais também, é melhor morar assim do
que pagar aluguel”, destaca.
Dívidas, dificuldades
e planejamento financeiro
Gabriela contou à
Alma Preta que, em média, gastou mais de R$ 65 mil na obra até o momento, o que
a deixou com muitas dívidas, inclusive com pedreiros. “Ficou dívida de cartão,
de empréstimo, de parcelamento, juros. Fora o material, móveis. E a gente ainda
não acabou”, diz.
Apesar do
planejamento financeiro – realizado por ela e pelo noivo desde 2017 – Gabriela
diz que o valor gasto superou e muito as reservas, que eram de mais ou menos R$
6 mil. Além disso, ela precisou fazer uma cirurgia ortognática em 2021, o que
fez o casal utilizar do dinheiro guardado para o pagamento de fisioterapia.
Para terminar a casa,
pelos cálculos de Gabriela, é necessário o valor de R$ 10 mil, montante fora do
orçamento dela no momento e que não considera suas dívidas atuais, que acumulam
cerca de 30 mil.
E para quem busca
financiar um imóvel em vez de construir, é ilusão pensar que não terá dívidas
ou que um planejamento financeiro é suficiente para não ficar no vermelho. É o
caso de Ana Maria Aleixo, atendente financeira, que financiou um imóvel recentemente
em Indaiatuba (SP).
“Mesmo tendo um valor
guardado, devido a um bem que vendemos, ficamos com dívida. Na teoria, o
financiamento que eu fiz, de 40 anos, não pode comprometer mais do que 30% da
renda familiar, mas confesso que está custando um pouco mais”, detalha Ana
Maria.
Ocupações cumprem o
que o Estado deixa a desejar
Outra realidade no
Brasil é a moradia coletiva em ocupações e acampamentos, espaços que abrigam
cerca de 142 mil famílias espalhadas por todo o país, sendo elas
majoritariamente negras.
Localizado em
Valinhos, na região de Campinas (SP), o acampamento Marielle Vive, por exemplo,
é uma ocupação rural que luta contra o déficit habitacional brasileiro – função
que, segundo a acampada, arquiteta e professora Cíntia Zaparoli, é pertinente
ao Estado.
A ocupação se tornou
referência em produção de alimentos saudáveis, alfabetização, cultura e
convivência para 400 famílias, sendo o maior acampamento do MST no Estado de
São Paulo. O que antes era uma grande área improdutiva, hoje recebe os cuidados
coletivos das famílias que vieram das periferias de cidades como Valinhos,
Vinhedo, Limeira, Campinas, Hortolândia, Sumaré e Americana.
A área foi ocupada em
14 de abril de 2018, exatamente um mês depois da execução da vereadora Marielle
Franco, cujo nome, em homenagem, batiza também o acampamento. Hoje, o
acampamento conta com uma horta Mandala, que abastece não só as famílias que
vivem na área, mas também as ações de solidariedade contra a fome; recebe
oficinas de formação das mais variadas; e já alfabetizou seus moradores.
Cíntia Zaparoli conta
que o acampamento já passou por cinco reintegrações de posse e que na pandemia
serviu de abrigo para as famílias em vulnerabilidade social, em especial, para
também evitar o contágio do coronavírus no deslocamento.
A própria prefeitura
de Valinhos já indicou a ocupação para pessoas que buscavam um local para
morar, segundo ela, o que coloca acampamentos como referência de como o Estado
deveria agir com pessoas que precisam ter um lugar para morar: tratando-as com
dignidade.
“Várias pessoas que
moravam na rua vieram para o acampamento, algumas ficam, outras não, mas todos
têm suas tarefas, como segurança, cozinha, horta, educação por exemplo. Tudo
alinhado à luta do MST”.
Fonte: JB Jornal do
Brasil
Foto: Divulgação
Repórter: Jota Santos
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