Indo direto ao ponto,
vamos começar a semana falando de uma maldita herança escravagista, o trabalho
doméstico. O formato brasileiro, mesmo com algumas melhorias, ainda é um
retrato do que acontecia nas casas dos donos de escravos, que tinham as
mucamas, nome dado à criada negra (ou escrava) que prestava serviços domésticos
para os seus senhores. Verdade seja dita, há certa mobilização, mesmo que
tímida, de proporcionar a essa categoria os direitos universais de todo
trabalhador, mas também, verdade seja dita, há uma grande resistência por parte
dos empregadores em respeitar esses diretos. O que consideramos não só como um
descumprimento a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas sobre tudo, um
desrespeito ao ser humano, pois continuam se beneficiando da força de trabalho
dessa categoria, como se fossem seus proprietários. O racismo estrutural ainda
tão latente na nossa sociedade precisa ser combatido, com a força da lei. Evidente que a conscientização também se faz necessário, mas a lei precisa
punir e com severidade os que lutam em não aceitar. Estamos trazendo hoje uma
matéria sobre a PEC DAS DOMÉSTICAS: legislação que completa 10 anos e caminha a
passos de tartaruga:
Agência Brasil
A Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) das Empregadas Domésticas completa dez anos, neste domingo
(2), em meio a informalidade e a precariedade ainda persistente entre as
trabalhadoras brasileiras.
De acordo com a
coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas
(Fenatrad), Luiza Batista, reforça que as trabalhadoras tem o direito de
receber seus direitos proporcionalmente à atividade que realizam.
"As nossas
expectativas é que a luta continue, porque se o empregador quer que alguém faça
[o trabalho doméstico] tem que entender que aquela pessoa merece ser respeitada
enquanto trabalhadora e que se tem direitos, também tem que respeitar esses
direitos", disse a coordenadora da Fenatrad.
A diarista Francisca
Araújo de Carvalho, de 48 anos, conta à Agência Brasil, por exemplo, que alguns
empregadores não respeitam o limite de oito horas diárias de serviço. "Têm
pessoas que chamam uma vez por mês e quer que façamos todo o serviço de um mês
em uma diária. E, geralmente, passamos do horário. Ou você dá conta ou a pessoa
não te contrata", disse.
Segundo Luiza
Batista, houve avanços, mas a igualdade com os demais trabalhadores ainda não
acontece de forma integral. Para ela, é preciso aprofundar as conquistas da PEC
das Domésticas, com a universalização dos direitos dos demais trabalhadores,
como seguro-desemprego e atestado médico.
A coordenadora da
Fenatrad explicou que as domésticas só têm direito a três parcelas do
seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo nacional (hoje em R$ 1.302),
enquanto as demais categorias têm direito a cinco parcelas, até o teto máximo
do seguro-desemprego, que está em R$ 2.230.97.
Em relação ao
atestado médico, trabalhadores em geral têm o salário pago pelo INSS após 14
dias de afastamento. Já para as domésticas, a legislação não é clara. Segundo
Luiza, caberia ao INSS pagar desde o 1º dia de afastamento, mas isso não
acontece na prática, o que acaba criando um jogo de empurra entre empregador e
INSS.
Também são
prioridades para a categoria uma maior oferta de creches, de escolas em tempo
integral e a retomada do Trabalho Doméstico Cidadão (TDC), programa criado em
2006, que oferecia formação escolar e qualificação profissional aos
trabalhadores.
PARTICIPAÇÃO
A Fenatrad participou
da transição do governo do presidente Luiz Inácio Lula na Silva em dois
subgrupos de trabalho, de políticas para mulheres e de desigualdade e gênero.
Agora, a entidade espera que o governo retome as políticas públicas e reveja
alguns pontos da lei.
"E esperamos que
a economia comece a alavancar e que a classe média volte a ter o padrão de vida
que tinha antes [da pandemia]. A maioria dos nossos empregadores é de classe
média. Quando torcemos por nós, também torcemos para outras classes sociais, a
nossa empregabilidade vem dessas pessoas", argumentou.
A ministra das
Mulheres, Cida Gonçalves, avalia que PEC das Domésticas foi um "marco na
revisão da história de exploração do Brasil e de garantia dos direitos das
mulheres". Ela destacou que a categoria é formada em sua maioria por
mulheres negras. No entanto, ainda há desafios a serem enfrentados.
"Apesar de ter
trazido muitos avanços e mudado a história de milhões de pessoas ao longo desta
década, há ainda muitos desafios a serem superados para aumentar a contratação
formal. Para isso, é preciso enfrentar o racismo estrutural e o machismo na
sociedade, além de sempre atuar com políticas públicas para assegurar a
autonomia econômica das mulheres", afirmou.
A ministra ressaltou
que o governo federal anunciou no mês passado políticas que contribuem para a
categoria como a assinatura da Convenção 156 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), que trata dos direitos dos trabalhadores com responsabilidades
familiares - e a criação de um grupo de trabalho para construir uma Política
Nacional de Cuidados.
História de lutas
Luiza Batista destaca
que os direitos das trabalhadoras domésticas foram concedidos de forma muito
lenta ao longo da história.
Enquanto a massa dos
trabalhadores teve direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), de 1943, somente em 1972, a Lei nº 5.859 garantiu às domésticas carteira
assinada, férias remuneradas e acesso a benefícios da Previdência Social. Mais
de uma década depois, a Constituição de 1988 previu alguns direitos a mais,
como salário mínimo, 13º salário, repouso semanal remunerado, licença maternidade
e direito ao aviso prévio.
Para o economista
Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social, a luta das trabalhadoras
domésticas se guia a questões de direitos humanos e direitos trabalhistas
iguais. "A questão de empregadas domésticas reflete não só desigualdade de
gênero mas na desigualdade racial, que remonta a essa herança escravagista.
Acho que é tentativa de entrar no século 21 e sair do século 19, acho que vai
na direção correta", argumentou.
Para ele, é possível
ainda pensar na diminuição do número de empregadas domésticas. "As filhas
de empregadas domésticas querem outra profissão e elas têm mais educação que
suas mães. Acho que, talvez, caiba ao Estado brasileiro a provisão de
treinamento e outros apoios para que esse grande número de empregadas
domésticas seja diminuída ao longo do tempo", disse.
Já para Luiza, as
politicas públicas ainda não são suficientes para proporcionar essa realidade
de forma mais generalizada. Mas os casos acontecem. A trabalhadora doméstica
Edriana acreditou na educação e, com incentivo, sua filha Sabrina Beatriz
Ribeiro estudou na mesma universidade pública que o filho de sua empregadora.
Hoje com 24 anos, Sabrina é advogada e continua os estudos de mestrado na
Universidade de Brasília (UnB), com o tema de pesquisa sobre o trabalho
doméstico no Brasil.
Segundo Sabrina,
alguns dos abusos dos empregadores são naturalizados pelas trabalhadoras, pois
muitas delas fazem trabalhos domésticos desde crianças. Ela cita a falta de
capacidade do Ministério Público do Trabalho (MPT) em fiscalizar as fraudes.
"Um dos grandes
problemas é a ausência de fiscalização do MPT e a ausência de intenção de
fiscalizar. A casa é considerada asilo inviolável e não se pode adentrar de
qualquer forma para fazer vistorias e isso tem sido muito utilizado por pessoas
que não cumprem a legislação trabalhistas e mantém as empregadas domésticas em
situação de escravidão. Isso é uma situação mais gritante, mas existem muitas
mulheres que têm direitos violados e elas não sabem porque para elas é natural,
como algo que fazem desde sempre, já naturalizam e acham que tudo bem",
argumentou.
A coordenadora da
Fenatrad concorda com a dificuldade de fiscalização no setor. "É uma coisa
que só existe no trabalho doméstico, o sindicato não poder ir na residência.
Até mesmo o MPT, no caso de denúncia de trabalho análogo à escravidão, precisa
de autorização judicial para ir à residência e resgatar a trabalhadora",
disse.
Por isso, a entidade
atua para esclarecer os direitos das trabalhadoras. Em conjunto com a
organização Themis, a Fenatrad desenvolveu o aplicativo Laudelina, um guia
sobre os direitos trabalhistas das domésticas. A ferramenta calcula salários,
benefícios e valores da rescisão contratual e também possibilita a criação de
uma rede de contatos entre as trabalhadoras e suas entidades representativas,
além de disponibilizar um espaço para denúncias de abusos.
O aplicativo está
disponível na internet e para download para celulares Android. O nome da
ferramenta é uma homenagem a Laudelina de Campos Melo, ativista do movimento
negro que criou a primeira associação de trabalhadoras domésticas no Brasil, em
1936, em Campinas (SP).
A Agência Brasil
pediu dados e informações sobre a fiscalização ao Ministério Público do
Trabalho, mas o órgão não atendeu a solicitação até a publicação desta matéria.
Foto: Divulgação
Fonte: JC
Repórter: Jota Santos
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